Sunday 16 January 2011

O MODELO QUE MATOU CARLOS CASTRO


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O modelo que matou Carlos Castro

De Cantanhede até à tragédia no luxo de um hotel em Nova Iorque. A história de Renato e as hipóteses para o acto bárbaro

O número 34 do largo Conselheiro Ferreira Freire, em Cantanhede, e o quarto 3416 do Hotel Intercontinental, na Times Square, em Nova Iorque, são coordenadas do mapa da mesma tragédia. Foi naquela cidade que nasceu e viveu Renato Seabra. Foi no luxo de Manhattan, num quarto com placa na porta para ‘não incomodar’, que este manequim de 21 anos matou, no dia 7, Carlos Castro, de 65 anos, jornalista histórico das páginas do social e homossexual assumido.

O rapaz de Cantanhede agrediu-o na cabeça e estrangulou-o. Com um saca-rolhas furou-lhe os olhos e castrou-o. O crime, que já confessou, fez títulos cruéis na imprensa internacional. No ‘Daily News’, por exemplo: "Portuguese columnist castrated at InterContinental Hotel, found death, not love, in NY" ["Cronista português castrado no Hotel Intercontinental, encontrou a morte, não o amor, em Nova Iorque"].

"A entrada súbita no mundo da moda, com as exigências que este mundo comporta, pode ter confrontado Renato com grandes e rápidas mudanças, provocadoras eventualmente de alguma instabilidade. A fama pode levar-nos a agir de forma condicionada, podendo gerar conflitos entre aquilo que sabemos que somos e aquilo que é esperado que sejamos", diz Inês Mota, psicóloga clínica da Oficina de Psicologia.

Foi um ‘pedido de amizade’ no Facebook que selou em Outubro a proximidade entre Carlos Castro e Renato Seabra. Encontraram-se pela primeira vez no Portugal Fashion, no Porto, e a relação avançou depressa. O jornalista passou a desfilar com o jovem por jantares – apresentou-o, por exemplo, às colunáveis Maya e Vicky Fernandes. A astróloga disse que, na altura, Renato abriu boca para duas palavras apenas: ‘olá e adeus’. Em dois meses, Carlos e Renato voaram juntos para Londres, Madrid e Nova Iorque, partilhando o luxo e um quarto.

Em Cantanhede, que se une na defesa do filho da terra, o padre Luís Francisco lembra-se de ter visto Renato Seabra na Missa do Galo. "Há coisas misteriosas que ultrapassam a racionalidade", diz o pároco. Muito religioso, Renato ia à missa todas as semanas; foi acólito em criança na igreja de Cantanhede; ajudou na paróquia e no final do concurso televisivo sobre moda ‘À Procura do Sonho’ agradeceu a Deus a oportunidade da vitória. Numa entrevista ao ‘Independente de Cantanhede, explicou o que o movia: "Ser conhecido não é o objectivo, mas sim ser elogiado".

A partir dos quatro anos, com o divórcio dos pais, ficou a viver com a irmã e a mãe, que o defende assim: "O meu filho é de ouro, é muito bom e não tinha qualquer relacionamento amoroso com o colunista. Não era namorado do Carlos Castro. Ele, desde o primeiro instante, nunca escondeu ser heterossexual". Odília Pereirinha tem 53 anos e é enfermeira no Centro de Saúde de Cantanhede.

Renato estudava Ciências do Desporto em Coimbra. Em 2009 liderou a equipa ‘Fãs da Banheira’ no concurso ‘Salve-se quem Puder’, da SIC. "O miúdo viu no Carlos o pai que nunca teve", diz a Odília. A mãe fala de ‘relação profissional’, que Carlos Castro queria apenas "ajudá-lo na moda".

O psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves comenta: "Não parece ter sido uma situação em que ambos se tenham conhecido na véspera. Havia um relacionamento que não se sabe se começou por ser amoroso mas existia".

No Hi5, Renato postou uma fotografia sua com uma legenda típica de um rapaz com humor e a masculinidade à prova de bala: "Eu com cara de boióla. lol mas um bocadito mais bronzeado".

Professor em Psicologia Forense, Carlos Poaires diz que "para percebermos este crime é importante ter em vista a relação que haveria entre eles. Não sabemos se a ida a Nova Iorque foi uma deslocação profissional ou foi no âmbito de uma relação afectiva ou social. É fundamental conhecer o significado que o crime teve para o Renato em termos de tempo, modo e lugar".

TELEFONEMA À MÃE

Nos dias anteriores ao crime, Renato falou com a mãe: "Ligava-me três ou quatro vezes por dia, dizia que não dormia, algo de muito grave se passou", disse a enfermeira à TVI. A irmã, Joana Seabra, dirigente da JSD de Cantanhede, diz que Renato estava cansado e queria voltar para Cantanhede: "Chegou a contar à mãe que o queriam comprar com tanta luxúria, sentia-se numa prisão e, farto, queria regressar a casa". Joana, tal como a mãe, faz questão em dizer que ele era heterossexual. Isa Costa corrobora. A estudante de Enfermagem apareceu na SIC a dizer ser a namorada de Renato "desde há dois meses".

Ainda no Hi5, onde Renato cultivava a imagem de masculinidade, publicou dezenas de fotos e o seu perfil abre com a frase: "Que é um amigo? É uma única alma que vive em dois corpos" (que atribui a Aristóteles). Joana defende-o: "O meu irmão saía com namoradas. Não tem uma, tem várias, é mulherengo". Mas os amigos de Carlos Castro garantem que ambos tinham uma relação há três meses. O jovem de Cantanhede ficava em casa do cronista em Lisboa.

José Malta, cunhado do autor confesso do crime, reconhece alguns encontros: "Reuniram-se em casa de Carlos Castro, em Lisboa, duas ou três vezes. Depois foram a Londres, Madrid e Nova Iorque. Existia uma relação de confiança", diz o farmacêutico, de 30 anos.

CALMO E AMIGO

Até aqui, Renato Seabra, agenciado em regime de exclusividade por dois anos pela Face Models, de Fátima Lopes, era considerado pela família, e por todos os que o conhecem, como uma pessoa calma, boa, amiga do seu amigo, que não fazia mal a ninguém. "Há aqui uma linha de descontinuidade. Alguém que mostrava um comportamento de acordo com os jovens da sua idade e de repente comete um crime macabro, faz pensar numa patologia psiquiátrica", refere Pedro Afonso.

O psiquiatra do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, avança com três cenários possíveis: "Ou efeito de drogas; ou um episódio psicótico agudo que causou uma ruptura com a realidade – como em situações de pós--guerra – e que provocou uma espécie de insanidade temporária; ou uma esquizofrenia que só agora se manifestou. Os psicopatas podem cometer estes crimes mas não se autodenunciam como ele fez".

VIA TELENOVELAS

Na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física não há quem se perca em críticas. O presidente do Núcleo de Estudantes, João Fonseca, conheceu "uma pessoa pacata, reservada, bem integrada na vida académica, que participava nas festas da academia, como a Latada e a Queima das Fitas, e tinha um grupo de pessoas amigas. Era uma pessoa completamente normal, um estudante como os outros".

O bom aluno e bom desportista gostava até de ver telenovelas com a irmã e a mãe. Nada faria prever o requinte sádico do acto criminoso no quarto de Manhattan. "A mutilação dos olhos está muito relacionada com a doença psicótica. Os olhos representam o mal, os demónios, pelo que são mutilados e em alguns casos arrancados. Ao referir que matando o outro acabou com os demónios pode estar a fazer uso de uma metáfora ou pode ser um doente psicótico. A mutilação dos genitais tem um cariz sexual e pode estar associada a uma relação de ciúmes ou uma negação sexual ou homofóbica em que o indivíduo se aproxima do outro com um objectivo", diz a psicóloga de Justiça e especialista em crimes sexuais Francisca Rebocho.

Nas escadas do Hotel Intercontinental, Renato Seabra cruzou--se com Wanda e Mónica Pires. Subiam ao quarto de Carlos Castro, com quem tinham combinado jantar. Renato disse-lhes: "O Carlos já não sai mais do hotel".

O ‘PANÇAS’

Em Novembro, Renato Seabra tinha treinado com os seniores do Basquetebol Clube de Cantanhede, modalidade em que se iniciou pelos 12 anos. Chegou a jogar na Académica de Coimbra e, no ano passado, foi campeão nacional universitário. Jogou também no Sport Clube Conimbricense durante três anos e no Marialvas. Entre treinadores, atletas e funcionários, as palavras de elogio ao manequim repetem-se em sentido único. Também entre aqueles que foi encontrando nos desfiles de moda para lojas locais, organizados pelo Rancho Regional Os Esticadinhos de Cantanhede. Mas nos últimos tempos notavam-lhe o gosto pelas horas que investia no ginásio.

A sua entrada no mundo da moda surpreendeu amigos, que ainda o tentaram convencer de que não era para ele. Mas o miúdo, em pequeno reguila e gorducho (o que lhe valeu a alcunha de ‘Panças’ na escola), estava decidido a ir em busca do sonho. Apostou no desporto e emagreceu – "fazia um aparato fenomenal com as miúdas", diz um amigo. Ninguém se lembra de o ter visto à pancada ou a ter uma atitude mais agressiva. Margarida Maduro, que lhe deu aulas de Biologia, garante que "sempre foi muito bem educado e respeitador".

O pai, Joaquim, tem uma segunda família constituída, já com outros dois filhos. Actualmente é enfermeiro no Serviço de Urgência Básica de Vila Real de Santo António. Segundo alguns colegas, quando recebeu a notícia do envolvimento do filho na morte violenta do cronista Carlos Castro "não acreditou". Renato costumava ir todos os Verões passar férias com o pai, no Algarve, mas as visitas começaram a rarear. "Nos últimos 10 anos a relação começou a deteriorar-se e este Verão, depois de se meter na moda, ele já não veio ter com o pai", confidenciou ao Correio da Manhã um familiar. Joaquim Seabra mora em Vila Real de Santo António e está ligado à política local. A actual companheira também é enfermeira e é secretária de uma junta de freguesia. "Quando ele vinha cá era muito pequeno. Depois cresceu e ficava cá pouco tempo", conta um amigo da família.

Em Nova Iorque está a mãe. O pai de Renato viajou na terça--feira para poder dar o apoio possível ao filho que agora está no Bellview Hospital mas pode ser transferido para o complexo prisional de Riker Island – dez edifícios com capacidade para 17 mil presos.

Segundo o jornal ‘New York Post’, Renato terá dito à polícia americana, na altura da detenção: "Já não sou gay". Para o psicólogo clínico Quintino Aires, um dos cenários mais prováveis é "ele ter uma personalidade egodistónica, ou seja, ter uma estrutura com desejos, vontades e uma orientação diferente do que a consciência permite aceitar. Haver uma aproximação amorosa ou sexual mas ao mesmo tempo um desconforto".

Carlos Castro e Renato Seabra estiveram 10 dias hospedados em Nova Iorque, viram espectáculos na Broadway, jantaram e foram ao cinema ver ‘O Cisne Negro’ em que Natalie Portman desempenha o papel de uma bailarina que enlouquece.

ANTÓNIO TEIXEIRA (EX-INSPECTOR DA PJ)

- Os crimes entre casais homossexuais são, tendencialmente, mais violentos?

- A verdade é que em todos os crimes passionais, quando estão envolvidas zangas e ciúmes exacerbados, os crimes são mais violentos.

- Há aspectos comuns na violência entre homossexuais?

- Podemos dizer que em 80% os casais têm uma grande diferença de idade e que a maioria dos crimes é cometida com objectos contundentes, cortantes. Ou seja, há mais tendência para o prolongamento do sofrimento. Quem dá um tiro quer atingir uma zona vital, quando há golpes é para infligir sofrimento. Já a castração e o desfiguramento são comuns em crimes passionais.

- Isto acontece quando um dos membros do casal tem a sexualidade por definir?

- Quando é uma questão de engate, pode acontecer o mais jovem, com uma sexualidade ainda indefinida, sentir raiva e repugnância.

- Há algum caso que o tenha marcado?

- O de um indivíduo que tinha um relacionamento com um ‘protegido’ e um dia o jovem pôs a hipótese de parar com a relação e o outro cortou-lhe o corpo e ateou-lhe fogo na zona da Fonte Luminosa, em Lisboa [início dos anos 90].

Por:Carlos Ferreira / Joana Nogueira / Marta Martins Silva / Rui Pando Gomes

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